5 de junho de 2008

Entenda os protestos de 1968




No Brasil, estudantes lutavam contra o regime militar e por melhor educação.Na França, revolta de maio opôs universitários e polícia em batalhas violentas.


Os Estados Unidos estavam mergulhados na guerra no Vietnã e se agitaram com o assassinato do líder negro Martin Luther King Jr. A Europa entrou no furacão das revoltas estudantis. E o Brasil, com o endurecimento do regime militar, entrou numa fase de censura política e dura repressão policial.


O ano de 1968 foi de muitas perdas na história mundial, mas foi também um período de conquistas sociais importantes que ecoam até os dias de hoje, como a igualdade de direitos civis, a liberação sexual, o reconhecimento das lutas dos estudantes e da diversidade cultural. O clima de agitação mundial se estendeu por todo o ano de 1968, mas foi especialmente no mês de maio daquele ano que as revoltas foram sentidas com mais força e transmitidas de um país a outro pelos meios de comunicação de massa -principalmente a televisão.

A luta dos estudantes
O estopim da agitação na França foi o fechamento da Universidade de Nanterre, nos arredores de Paris, em 2 de maio. Havia semanas os estudantes vinham entrando em conflito com a polícia francesa, depois que decidiram ocupar a universidade protestando contra a burocracia da instituição que, entre outras coisas, impedia os alunos de dividirem os quartos da residência estudantil com colegas do sexo oposto.

Em pouco tempo os alunos de Nanterre ganharam o apoio dos estudantes da Universidade de Sorbonne, que tomaram as ruas do Quartier Latin, em Paris. Os sindicatos de trabalhadores da França decidiram cruzar os braços e ocupar as fábricas, cobrando do governo melhores salários e condições de trabalho.


Pedras e cartazes


Dezenas de milhares de pessoas participaram de manifestações em Paris naquele maio de 1968, trocando agressões com os policiais da Compagnie Républicaines de Securité (CRS), a tropa de choque francesa. Mas, para além das barricadas, coquetéis molotov e pedras de calçamento atiradas, os manifestantes tinham como arma as palavras, espalhadas em cartazes e pichações com slogans irônicos e anti-autoritaristas como: "A imaginação ao poder", “Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo”, “Ceder um pouco é capitular muito”, “Consuma mais, viva menos” ou “A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último esquerdista”. Inspirada pelo pensamento de intelectuais como Herbert Marcuse, um dos principais defensores da Nova Esquerda, ou do situacionista Guy Debord, a revolta dos estudantes franceses ganhou apoio de artistas locais, como os cineastas François Truffaut e Jean Luc-Godard - que incentivaram um boicote ao Festival de Cinema de Cannes naquele ano -, além de inspirarem músicas dos Beatles (“Revolution”) e dos Rolling Stones (“Street fighting man”).


Música de protesto


No Brasil, um dos slogans de maio de 68 foi eternizado por Caetano Veloso e Gilberto Gil em “É proibido proibir”. Apresentada no Festival Internacional da Canção da Rede Globo naquele ano, a canção foi vaiada pelo público provocando a famosa reação irritada de Caetano: “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? (...) vocês não estão entendendo nada!”. De fato, a juventude em lugar nenhum do mundo tomou o poder naquele ano. Na França, os protestos esfriaram consideravelmente após os episódios de maio, as universidades reabriram e o general Charles De Gaulle, que muitos manifestantes pretendiam derrubar, continuou no poder até abril de 1969.

Na Tchecoslováquia, tropas soviéticas impediram a implantação do “socialismo humano” proposto por Alexandre Dubcek durante o período que ficou conhecido como Primavera de Praga. No México, centenas de estudantes foram agredidos durante um protesto às vésperas da realização dos Jogos Olímpicos no país.


Vietnã e os EUA


Nos Estados Unidos, a opinião pública passou a rejeitar a guerra do Vietnã após ficar chocada com as imagens que a TV mostrava da ofensiva do Tet, momento em que os vietcongs atacaram tropas americanas, a partir de janeiro. A morte de Martin Luther King também gerou revoltas das comunidades negras.


No Brasil, os militares, que reprimiram com prisões a realização do congresso de estudantes da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968, continuariam no poder por mais 17 anos.

A herança de 68


Quarenta anos depois, no entanto, as consequências diretas ou indiretas daquelas revoltas juvenis ainda são debatidas.

A revitalização recente do movimento estudantil no Brasil e na França, com ocupações de reitorias e indícios de distanciamento de sindicatos e partidos políticos, tem gerado comparações com as manifestações de 1968; os protestos pró-diretos humanos em todo o mundo contra a realização das Olimpíadas em Pequim; a corrida à Presidência de Barack Obama, com a possibilidade de os Estados Unidos elegerem seu primeiro líder negro na Casa Branca; o ressurgimento do interesse por artistas como os Mutantes; sem falar na infinidade de livros de autores e atores dos episódios daquele ano -tudo isso transpira 1968. “Em 1965, uma mulher casada tinha que pedir permissão ao marido para abrir uma conta bancária. Hoje você tem uma aceitação da autonomia da homossexualidade, apesar da Igreja ainda ter seus problemas. Há uma aceitação da diversidade dos indivíduos. Uma idéia de direitos humanos e democracia”, declarou à agência de notícias France Presse o franco-alemão Daniel Cohn-Bendit, um dos principais líderes dos estudantes de Nanterre em 68. Hoje, ele é deputado do parlamento europeu pelo Partido Verde. Na contra-mão, o idealismo da geração 1968 não passou exatamente incólume à virada do século 21.

No Brasil, ex-líderes estudantis da época, como o ex-deputado José Dirceu, enfrentam acusações em episódios de corrupção. Na Europa, pressionados pelo desemprego e o aumentos dos gastos sociais, grupos cada vez maiores de eleitores apóiam políticas duras contra a entrada de imigrantes em seus países. E, na França, berço dos protestos libertários de Maio de 1968, o presidente eleito Nicolas Sarkozy leva adiante uma "cruzada" para "liquidar de uma vez" com a herança daquele período.

Divorciado e ex-aluno da mesma Nanterre de Cohn-Bendit, Sarkozy, representante dos conservadores franceses, afirma que o verdadeiro legado de 1968 foi o de ter “acabado com a diferença entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso, entre o bonito e o feio".

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